Desde a nossa saída, dia 22 de dezembro, lá de Curitiba, até esse ponto da viagem, em Córdoba na Argentina, já rodamos mais de 12.000km, em 13 dias. Então, para conseguirmos encaixar todas as cidades em nosso roteiro até o fim do mundo, tivemos que escolher onde aproveitar ao máximo o que o lugar tem para oferecer – muitas vezes em apenas meio dia – ou descansar o máximo que pudermos.
Na maioria das vezes, optamos por aproveitar ao máximo cada lugar que estamos. Mas dessa vez, optamos não só por descansar, como também em acrescentar mais um dia na viagem. O trajeto que tínhamos planejado para hoje – de Córdoba até Federación – teria quase 700km. Sem chance. Já tínhamos tocado dias seguidos por trechos longos e o cansaço agora pegou de vez. Além do cansaço, queríamos muito conhecer a Laguna Mar Chiquita e os flamingos que deixam a paisagem ainda mais bonita.
Pela manhã, antes de entregarmos as chaves do apartamento, demos uma folhadinha rápida nos guias que nosso anfitrião havia deixado. Entre eles, um folheto todinho sobre Miramar e a Laguna Mar Chiquita. Sinal do anjo do cansaço, certeza. Pensamos, repensamos e decidimos. Entramos em contato com todos os hotéis que ficaríamos nos dias seguintes, pedindo mudança de data na reserva. Todos aceitaram. Agilizamos as pesquisas por uma cidade que ficasse no meio do caminho e reservamos o hotel. Ficaremos em Santa Fé.
Saímos do ap um pouquinho depois das 10h e fomos a pé mesmo, procurar um banco para sacarmos mais dinheiro. Além da dificuldade de usar o nosso cartão Travel Money em toda a Argentina – entenda, ele é aceito na maioria dos estabelecimentos, mas muitas maquininhas não conseguem “ler“ o cartão, por serem muito antigas – temos também a alta frequência de pedágios pelas estradas argentinas. Aos pouquinhos, fomos ficando sem dinheiro vivo.
Usamos o Banco Galícia, que era bem pertinho do apartamento e de um café que estávamos de olho. Na hora do saque: TRINTA E OITO REAIS de taxa. Já tínhamos nos assustado com o valor do saque anterior, mas esse chegou em um nível hard. Programe-se bem com a quantidade de dinheiro em espécie para seus dias por aqui. A gente dividiu entre cartão de crédito para pagamentos dos hotéis, cartão pré-pago Travel Money Visa para gastos como alimentação e supermercado, e o dinheiro em espécie trouxemos mesmo para os pedágios e atrações, que achávamos que não aceitariam cartão. Se soubesse disso no planejamento, traria um valor maior em dinheiro – bem dividido em malas e compartimentos do carro – e menor no Travel Money.
Depois do choque com o valor da taxa, fomos até o Café Kilig tomar nosso café da manhã. Como ficamos hospedados em b&b, o café da manhã não estava incluso. O que para esse tipo de viagem, normalmente nas roadtrips, é um ponto negativo. Em todas as experiências que tivemos pelo mundo usando o Airbnb, sentimos que ele é muito bacana quando você tem um horário marcado para chegar, que não vai incomodar o anfitrião. O café da manhã incluso passa a ser um economizador de tempo. Nossos trajetos eram longos, a maioria deles com mais de 500km e ainda tínhamos as atrações do lugar para aproveitar. Com isso, sempre chegávamos tarde no destino do dia. Por mais solícito que o anfitrião seja, sabemos que incomoda. Por isso, hotel nesses casos é sempre melhor.
Para o desayuno pedimos cafés, medialunas e um 2×1 de smoothie do dia. Vocês tinham que ver as nossas caras, quando os cafés chegaram. I-MEN-SOS. Tinha fácil um litro de café com leite ali. As canecas eram uma fofura e o café estava delicioso. As medialunas estavam quentinhas e o smoothie geladinho para combater o calor de Córdoba. Acertamos na escolha.
Antes de pegar a estrada, paramos para abastecer em um posto Shell, com a gasolina a R$ 4,20. Saudade imensa dos preços do fim do mundo. Com o subsídio do governo a gasolina fica muito mais barata no extremo sul da Argentina.
Saindo da cidade de Córdoba, em Rio Primero, passamos pelo primeiro pedágio do dia, onde pagamos R$ 4,00. Nessa estrada, tivemos a companhia de milhares de borboletas. Eram tantas, mas tantas, que ficou impossível desviar delas. O barulho delas se chocando contra o vidro do carro era parecido com o da chuva quando bate no parabrisa. Foram vários km com elas voando pela estrada.
Miramar de Ansenuza fica a mais ou menos 180km de Córdoba. No nordeste da província, está localizada no meio de uma planície, a maior bacia fechada de água salgada da América Latina: a Laguna Mar Chiquita, com 6 mil km de extensão. O pessoal costuma se referir a Miramar como a praia de Córdoba. O clima por aqui realmente é praiano. A temperatura estava altíssima, 38 graus.
Paramos para almoçar em um restaurante bem simples no centrinho de Miramar. Só pra variar, comemos milanesas com papas fritas. Depois do almoço, saímos para caminhar um pouco, mas o calor estava demais, perfeito para um sorvetinho na sombra.
A paisagem por aqui é diferente de tudo que vimos até agora. A imensa variedade na fauna – mais de 250 espécies de aves – tornou Miramar um ponto importante para a observação de patos, gaivotas e dos famosos flamingos cor de rosa. Na nossa busca pelos flamingos, depois de cruzar a orla de ponta a ponta e só conseguir ver os pontinhos cor de rosa lá longe, demos uma passadinha no centro de informações turísticas. Lá conseguimos informações mais detalhadas de onde encontrar os flamingos. Poderíamos pegar um barquinho e fazer a excursão até foz do Rio Xanaés e depois observar os pássaros ou poderíamos ir de carro até uma região com um mirante próprio para a observação. Escolhemos o carro, óbvio.
Escutando ela falar, parecia ali do ladinho, seguindo a orla e virando a direita. Só que não. Andamos alguns bons km até chegar em uma região verde, com muita lama na chão. As árvores abrigavam dezenas de aves coloridas e das mais diferentes espécies. Voavam de lá para cá, acompanhando a nossa caminhada. Estacionamos o carro no último espaço que ele passava e dali seguimos a pé. Avançamos mata a dentro, pisamos em muita lama escorregadia, levamos vários sustos com os lagartos que passavam correndo pelos nossos pés e espantamos besouros voadores. Uma baita aventura!
Chegamos em um espaço aberto e amplo, com o chão rachado. Muito seco perto da área verde e completamente úmido a medida que íamos nos aproximando da beira da Laguna. Quando chegamos, nos deparamos com uma imensidão de flamingos, que assim que nos viram, foram se aglomerando no centro da Laguna. A instabilidade do chão, – conforme pisávamos, íamos afundando e milhões e milhões de mosquitinhos saíam das rachaduras – o sol forte e o cheiro insuportável de podre que levantava do chão, não deixaram a gente se aproximar dos flamingos. Por poucos segundos conseguimos admirar a beleza do voo mais charmoso que já vimos, com aquelas asas cor de rosa com as pontinhas pretas. Lindo mesmo. A aventura valeu a pena e foi incrível conhecer um lugar tão diferente.
Hora de seguir viagem para nosso próximo destino. Pegamos a estrada rumo a Santa Fé. E que estrada! Passamos por campos verdinhos que contrastavam com o azul sem fim do céu. Passamos por corredores de árvores, que lembravam muito as estradas que pegamos na Toscana. Puro charme. O pôr do sol por aqui também lembrou muito o de lá, com um tom de alaranjado que arranca suspiros.
Chegando em San Augustin passamos por mais um pedágio, que pagamos R$ 7,00. Logo depois do pedágio, uns 20 km antes de chegar em Santa Fé, levamos o maior susto de toda a viagem. Estava na minha vez de dirigir, tudo ia muito bem, até que escutamos um barulho esquisito lá fora e quando eu olho pelo espelho, vejo algo rolando pela estrada. Arregalei os olhos e olhei pro Andre assustada: “Ué, o que será que foi isso?” Trocamos meia dúzia de ideias, mas nenhuma delas foi convincente. Foi aí que começou o barulho no carro, que foi aumentando e aumentando, como se o freio estivesse com algum problema, arranhando, sabe? Parei o carro, o Andre desceu, abriu o capô, analisou, analisou, e nada. Tudo normal. “Você continua!”, eu disse. Acha que vou dirigir com o carro assim? Ele é muito mais experiente que eu para controlar uma situação complicada no trânsito.
Seguimos com o carro fazendo um barulho cada vez mais assustador. Percebemos que o freio estava piorando e começando a ficar perigoso rodar assim. Conseguimos ir devagarzinho até estacionarmos na frente ao Hotel Hernandarias, onde passamos a noite. Ufa! Tem estacionamento. O Andre deixou o carro do outro lado da rua do hotel e foi lá pedir para abrirem o portão antes de fazer o checkin. Quando voltou e engatou a marcha para dar a ré e manobrar, travou o carro todinho. O barulho fez arrepiar todos os ossinhos da coluna. Que m$%#& aconteceu? Abriram o portão e com muita calma colocamos o carro para dentro. Como chegamos depois das 21h, dificilmente conseguiríamos alguma oficina aberta aquele horário. A preocupação a essa altura era de acabar a viagem por aqui. Pensa, uma sexta-feira de noite, em uma cidade relativamente pequena, para resolver um problema com o carro que não freia, e pior… explicar tudo isso sabendo meia dúzia de palavras em espanhol. Será que as oficinas argentinas trabalham no sábado? Mas decidimos ignorar o problema por hoje, descansar e amanhã iremos atrás do conserto.
Enquanto o Andre terminava o checkin e tentava descobrir sobre o funcionamento das oficinas, sem muito sucesso, eu fui subindo com as malas para o quarto. Quando entrei, não acreditei. Três camas de solteiro e um banheiro que dava vontade de chorar. Admito que tenho um certo problema com banheiros escuros e velhos. Esse era cinza, com uma cortininha imunda no chuveiro, acompanhada de um rodo encardido, que tínhamos que usar enquanto tomávamos banho, pois o chuveiro não tinha box e nem um rebaixo no piso para a água não escorrer. Durante o banho, vinha um vento não sei de que raios de lugar, que fazia a cortina de plástico grudar na bunda durante o banho. Pensa no ódio.
Tudo que a gente mais queria hoje era uma boa noite de sono e um banho gostoso, mas como reclamar do lugar que nos salvou de uma encrenca ainda maior? Ficamos pensando no tal anjo que nos fez desistir de seguir os 400km a mais que tínhamos programado inicialmente no roteiro para hoje e escolher o hotel a 20km do lugar que estragou o carro. Só nos restava agradecer e encarar o banheiro com 50 – horríveis – tons de cinza.
Queríamos mais é descansar, para no dia seguinte correr atrás de uma solução para algo que a gente nem fazia ideia ainda do que era. Como fizemos o seguro do carro, estávamos mais tranquilos, se precisasse levar o carro guinchado para o Brasil, não iríamos à falência. Até chegamos a contactar o rapaz que fez o seguro pra gente, que foi todo atencioso e se colocou à disposição sem pestanejar, tarde da noite. Mas resolvemos esperar e ver qual é o real problema e tentar continuar nossa viagem de carro mesmo, não de guincho.
Hoje, além de desejar uma boa noite aos viajantes, pedimos que nos desejem também. Amanhã é um novo dia.
Obs: Valores em real, com o câmbio do dia 04/01/2019.
Mais ou menos 10/1.
Nossa, ansiosa para ler os próximos hehe
Estamos um pouquinho atrasados, mas juramos de dedinho que já já colocamos o final da viagem 🙂
Obrigada por nos acompanhar, Mari!
Uaaau … Foi emocionante ler toda essa aventura . Que bom que deu tudo certo ? .
David, foi incrível, mesmo com o perrengue do carro. Foram quase 15.000 km e apenas um incidente. Viagam ma-ra-vi-lho-sa!
Ótimos textos! Esperando o final …
Obrigada pelo elogio, Rut! Estamos atrasadinho mesmo com o final, mas prometemos que amanhã entra o dia 15.